A Justiça
sozinha não vai acabar com a corrupção
Germano
Luders/Exame
Zingales: “Atuar em favor de algumas empresas é
diferente de dar a todas oportunidades iguais”
São Paulo — O economista italiano
Luigi Zingales, de 52 anos, construiu boa parte de sua carreira
acadêmica nos Estados Unidos. Mas foram a infância e a juventude na Itália que
ajudaram a moldar sua visão sobre o que chama de capitalismo de compadrio.
A referência de sua terra natal
era de um modelo corrupto que beneficiava aqueles que estavam
próximos ao poder e que tirava a competitividade da economia. Professor da
Universidade de Chicago, Zingales é considerado um dos mais renomados
estudiosos das relações perniciosas entre governos e o mundo corporativo.
Para ele, as recentes
investigações anticorrupção no Brasil devem ajudar o país a aprimorar seu
modelo de capitalismo — atualmente não muito diferente do italiano. Mas alerta
que o combate à corrupção precisa ser feito em múltiplas frentes.
“A Justiça é importante, mas não
resolve o problema sozinha. A desburocratização da economia é crucial nesse
processo.” Em um evento recente no Instituto Fernand Braudel de Economia
Mundial, em São Paulo, Zingales concedeu a entrevista a seguir.
Exame - Está em curso uma das
maiores investigações contra a corrupção no Brasil, a Operação Lava-Jato. Qual
deveria ser o legado desse tipo de iniciativa?
Zingales - Este é um
momento crucial para aprimorar o capitalismo brasileiro. Estou impressionado
com a efetividade e a independência dos procuradores brasileiros envolvidos
nessa investigação. No entanto, temo que o processo possa ser paralisado em
algum momento. Hoje, a população apoia os procuradores e os juízes, pois eles
estão prendendo gente rica e poderosa.
Mas, em sociedades em que a
corrupção é muito difusa, a questão é se essas investigações chegarão ao limite
extremo, alcançando as pessoas comuns. Foi isso o que ocorreu na Itália, com a
Operação Mãos Limpas nos anos 90. Infelizmente, lá o processo foi interrompido.
Exame - E por que não deu
certo?
Zingales - À medida
que as investigações da operação avançavam (mais de 6 000 pessoas foram
investigadas e 800 acabaram presas), muitos italianos começaram a se sentir
acuados. A economia também estava paralisada. Foi nesse momento que se
popularizou a figura de Silvio Berlusconi, que desmantelou a operação
quando chegou ao cargo de primeiro-ministro.
Exame - E como isso pode ser
evitado?
Zingales - Minha
percepção sobre o Brasil é que, assim como na Itália, todo mundo comete algum
tipo de ilegalidade. Isso porque é muito difícil se manter legal num sistema
extremamente burocrático.
Haverá um momento em que vai se
disseminar a ideia de que se todo mundo é culpado, logo, ninguém é culpado. E
esse é um momento importante que não chegou ainda ao Brasil, mas vai acontecer
e determinará qual caminho o país quer adotar no futuro.
Exame - Qual deveria ser
esse caminho?
Zingales - Uma vez
que tantas pessoas violam a lei, há duas formas de lidar com isso. Uma é
encobrir a apuração de irregularidades — esse é o jeito Berlusconi. A outra é
seguir adiante tendo como base um novo marco. Poderia haver algum tipo de
anistia quando ocorresse voluntariamente a confissão de crimes.
Nos casos que envolvem
funcionários públicos e políticos, é importante o afastamento do
exercício do cargo.Seria uma tentativa de passar a limpo as irregularidades,
por menores que sejam. Mas, depois disso, o processo deveria ser implacável.
Deixar no passado o que aconteceu de errado não significa perdoar o que foi
feito, mas também não pode ser uma forma de travar o futuro.
Exame - Quais países
conseguiram fazer isso de forma democrática?
Zingales - No início
do século 20, os Estados Unidos eram um país extremamente corrupto. Naquela
época, o que fez a diferença foi uma combinação de fatores como a pressão por
padrões morais mais altos, o Judiciário eficiente e um presidente como Franklin
Roosevelt, que queria mudanças.
A imprensa teve papel importante
ao longo do tempo. Obviamente ainda há corrupção nos Estados Unidos. Mais
recentemente, o capitalismo americano tem sofrido com a proximidade excessiva
entre o poder público e as grandes empresas.
Exame - Quanto maior o
tamanho do Estado, maior é a chance de haver corrupção?
Zingales - A
corrupção se propaga onde há burocracia. E não existe um ambiente em que mais
se difunde a corrupção do que o trabalho que envolve funcionários públicos. É
importante, no entanto, fazer a distinção entre promover o bem-estar social e o
gasto público que apenas aumenta a participação do Estado na economia.
A Dinamarca e a Suécia, por
exemplo, gastam muito com bem-estar social, mas não são países com grande
número de funcionários públicos e não têm estatais gigantescas.
Meu conselho para o Estado no
Brasil: caia fora das atividades industriais, mantenha um sistema que gere os
benefícios sociais o mais automatizado possível e foque numa estrutura de
administração pública enxuta e eficiente. Isso não se faz do dia para a noite.
Leva tempo — talvez, uns 30 anos.
Exame - A interferência do
Estado brasileiro na economia cresceu muito nos últimos anos. Qual deve ser o
papel dos governos na economia?
Zingales - É preciso
focar no básico, como dar educação de qualidade para as crianças, garantir que
as leis sejam respeitadas e mandar para a cadeia quem comete um crime. Se o
governo não consegue fazer o básico, como vai ser capaz de fazer direito uma
política industrial?
Exame - O que o Brasil
precisa fazer para voltar a crescer novamente?
Zingales - No
Brasil, o termo capitalismo é percebido como algo ruim. Isso porque as pessoas
experimentaram apenas o capitalismo corrupto. Para elas, a alternativa seria
tentar desde uma forma mais branda de socialismo até uma versão mais agressiva,
à la Chávez, na Venezuela.
O Brasil precisa de políticos com
uma orientação pró-mercado, o que não é o mesmo que pró-empresas, o capitalismo
de compadrio. Uma coisa é atuar em favor de algumas empresas. Outra é permitir
que todas tenham as mesmas oportunidades de prosperar. Isso vai incentivar a
inovação e tornar o país mais competitivo.
Exame - Corre no Congresso
Nacional um pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Como o senhor
avalia um possível afastamento da presidente?
Zingales - Um
processo de impeachment é traumático, mas é importante
para consolidar a democracia de um país, pois fica claro que ninguém está acima
da lei — nem a presidente. É preciso haver elementos concretos para seu
afastamento. Sendo assim, creio que vai ser positivo para o país.
Mas isso não significa que o
jeito de fazer política terá mudado. O Brasil precisa desesperadamente de uma
elite política comprometida com novos valores — e não agarrada à ideia de se
manter no poder. O impeachment sozinho não muda as coisas. Se a saída de Dilma
for apenas para favorecer X ou Y, não terá servido para nada.