Ataques
no Ceará podem estar associados a bloqueadores em presídios
- 25/03/2018 13h15
- Brasília
Helena
Martins – Repórter da Agência Brasil
Uma retaliação de facções criminosas à possível
instalação de bloqueadores de celulares em presídios, proposta que tramita em
regime de urgência na Câmara dos Deputados, é a explicação que especialistas
têm dado aos ataques contra órgãos públicos,
ônibus e torres de telefonia no Ceará. A Delegacia de Repressão às Ações
Criminosas Organizadas (Draco) da Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE) está
responsável pelas investigações. Até agora, não foram apresentadas as linhas de
investigação.
“A gente está vivendo uma crise sem precedentes. É
inegável que as facções se potencializaram no nosso estado e hoje os nossos
presídios funcionam como escritórios dos crimes. Quando do anúncio da lei dos
bloqueadores, houve uma reação das facções porque elas vão ter seus interesses
prejudicados. Era uma reação que a gente já esperava”, diz Valdomiro Barbosa,
presidente do Sindicato dos Agentes e Servidores do Sistema Penitenciário do
Estado do Ceará (Sindasp/CE).
Além do projeto de lei, desde 2013 tramita na
Justiça cearense um processo sobre a instalação de bloqueadores. Uma sentença
foi expedida, em 2 de março, determinando que o “Estado do Ceará, no prazo de
180 dias, proceda à aquisição e promova a devida instalação de bloqueadores de
sinal de celular em todas as unidades prisionais sob sua responsabilidade”.
Histórico
Essa não é a primeira vez em que esse tipo de
ataque ocorre. Em 2016, houve ataques a torres de telefonia e um carro cheio de
explosivos chegou a ser colocado na rua da Assembleia Legislativa do Ceará
depois que os parlamentares aprovaram um projeto de autoria do governo que
proibia as operadoras de conceder sinal de radiofrequência nas áreas de
unidades prisionais do estado. A lei foi questionada, assim como regras
semelhantes de cinco outros estados, no Supremo Tribunal Federal (STF), tendo
seus resultados sustados.
Saiba Mais
“Na época, essa questão foi minimizada, mas já era
uma mostra que as facções tinham crescido no estado. Era um recado, mas não se
levou muito em consideração porque Fortaleza vivia um momento em que as taxas
de homicídio eram muito baixas e o governo, recém-eleito, tinha muito capital
político e tentou amenizar a situação. Passados dois anos, nós vemos um retorno
dessa mesma demanda por parte das facções, só que com um poder de fogo e uma
capilaridade muito maior”, explica Ricardo Moura, jornalista e pesquisador do
Laboratório Conflitualidade e Violência (Covio) da Universidade Estadual do
Ceará (Uece).
Crise na segurança
Barbosa também destaca o maior poder dessas
facções. Ele diz que desde 2015 o Sindasp tem alertado o governo sobre a
presença dos grupos em unidades prisionais. “Mas os dois últimos governadores
não cuidaram de estruturar o sistema prisional, pois investiram só em
policiamento ostensivo”, critica. Ele cita como exemplos os programas Ronda do
Quarteirão e o reforço ao Batalhão de Policiamento de Rondas de Ações
Ostensivas e Intensivas (RAIO).
Nos presídios, cerne da atuação das facções,
segundo o agente penitenciário, o deficit de profissionais desse tipo é de 4
mil pessoas e não houve incrementos nos últimos anos, ao passo que a população
carcerária passou de 21 mil presos para 28,5 mil entre 2015 e 2018. Nesse
período, o presidente do Sindasp afirma que “todas as grandes unidades
prisionais foram separadas por facções, o que favoreceu a organização delas”.
Para ele, “o gargalo da crise da segurança pública no estado está no sistema
penitenciário”.
Além desse problema, a morosidade da Justiça e o
enfraquecimento da polícia judiciária são outros dois elementos que explicam a
crise, na opinião do Presidente do Sindicato dos Policiais Civis de Carreira do
Estado do Ceará (Sinpol/Ce), Francisco Lucas de Oliveira. “A gente tem uma
polícia de investigação praticamente falida. Não existe investimento, temos
pouco efetivo e estamos perdendo muitos para outras unidades da federação, pois
aqui não há incentivo”, lamenta.
Para ele, a morte de três pessoas que praticaram
ato contra a Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus), na madrugada de sexta
(23) para sábado (24), pode ser apontada como motivo. Alvejados em troca de
tiros com policiais militares, os suspeitos foram levados a uma unidade
hospitalar, mas não resistiram aos ferimentos e vieram a óbito. Dois já foram
identificados pela Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce): Francisco José
Raniel Barbosa dos Santos e Davi Lima Pires, ambos de 19 anos.
A crise da segurança pública marca o cotidiano da
população cearense, que apenas este ano viu quatro chacinas ocorrerem no
estado. “A gente naturaliza uma situação de medo permanente e de uma estratégia
de segurança cotidiana para as questões mais banais da vida, como ir para o
trabalho ou para o lazer. A gente está se precavendo para gerir o dia a dia
nosso. É algo muito terrível do ponto de vista da sociedade”, alerta Ricardo
Moura.
A Agência Brasil procurou a Sejus e a SSDPS
para obter mais informações sobre as investigações e as respostas das
secretarias sobre as críticas feitas pelos especialistas. Até a publicação
desta reportagem, não foram enviadas respostas. Até agora, seis pessoas foram
presas suspeitas de participação nos incêndios e ataques aos prédios públicos.
Edição: Wellton
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