"Países da América Latina
precisam gastar mais para enfrentar recessão"
No Brasil, o pacote emergencial anticoronavírus corresponde a cerca de 3% do PIB |
Para minimizar os efeitos da crise do coronavírus,
governos deveriam investir 5% do PIB em medidas para estimular economia, financiar
saúde pública e apoiar os que perderam seus meios de subsistência, defende
economista.
A crise econômica decorrente da pandemia de
covid-19 será especialmente dolorosa para os países da América Latina, que
entram nessa recessão fragilizados após meia década de baixo crescimento e alta
na dívida pública.
Para minimizar os efeitos da crise, esses
países deveriam ser mais ambiciosos e investir cerca de 5% do PIB em medidas
para estimular a economia, financiar a saúde pública e apoiar os que perderam
seus meios de subsistência – um patamar de gastos que, no continente,
somente o Chile chega perto de alcançar; no Brasil, o pacote emergencial
corresponde a cerca de 3% do PIB e, na Colômbia, 1,5%.
A análise é do economista José Antonio
Ocampo, professor da Universidade Columbia, em Nova York, presidente do Comitê
sobre Políticas de Desenvolvimento do Conselho Econômico e Social das Nações
Unidas e ex-ministro da Economia da Colômbia.
À DW Brasil, ele reconhece que os países
latino-americanos têm um espaço fiscal limitado para agir, mas diz que agora
"não é hora para austeridade" e que a meta de investir 5% do PIB
em medidas emergenciais já é bastante inferior ao patamar adotado por países
desenvolvidos para enfrentar a crise, de cerca de 10% do PIB.
Diante da atual escassez de financiamento
privado internacional e das limitações de bancos multilaterais, Ocampo sugere
que os países recorram ao endividamento doméstico, como a emissão de papéis do
Tesouro de curto ou médio prazo, e apoia que os próprios bancos centrais
comprem títulos da dívida, iniciativa que, no atual contexto, não traria risco
de inflação, segundo ele.
Depois que a recessão for superada, porém,
ele afirma que os países da América Latina terão que analisar como equilibrarão
suas contas novamente. Além disso, deveriam "pensar seriamente em promover
algum tipo de reindustrialização como estratégia de
desenvolvimento" e "buscar uma integração regional mais
ativa".
DW Brasil: Como o sr. avalia a reação de
países da América Latina para enfrentar a crise econômica provocada pela
pandemia?
As iniciativas dos bancos centrais para
aumentar a liquidez [disponibilidade de dinheiro no mercado] foram mais
completas do que as iniciativas fiscais [aumento de gastos do governo].
Porém, a reação fiscal é limitada pelo fato
de que o espaço fiscal dos governos para atuar está limitado. E eles estão sob
pressão das agências de classificação de risco, que estão reduzindo a nota de
avaliação de países na América Latina. Essas agências estão jogando duro ao
pedir que os países limitem seus gastos em vez de aumentá-los, que é o que é
necessário fazer agora.
Agora não é a hora para austeridade. A
demanda privada colapsou, não há investimento, e as pessoas não podem consumir.
A única fonte de demanda são os gastos do setor público, e não é nem para
promover uma expansão, mas apenas para evitar uma recessão ainda mais forte.
O valor dos pacotes de emergência
anunciados na América Latina é adequado?
A maioria dos programas fiscais que vi são
pequenos e deveriam ser ampliados. No caso da Colômbia, é de cerca de 1,5% do
PIB. Diversos ex-ministros da economia [da Colômbia], incluindo eu, pediram
algo em torno de 5% do PIB. O único país que está perto disso é o Chile [com
4,7% do PIB]. O Brasil é o segundo [com cerca de 3% do PIB].
Esse patamar de 5% do PIB já é bem abaixo
do que vem sendo praticado por países desenvolvidos, que têm destinando o dobro
disso, em torno de 10% do PIB. [Na Alemanha, as medidas de estímulo anunciadas
consumirão cerca de 10% do PIB, nos Estados Unidos, 11%, e no Japão, 20%].
Como países latino-americanos devem
financiar esses pacotes de emergência?
O financiamento privado internacional será
uma opção muito limitada – ele praticamente colapsou, e as taxas de juros
aumentaram.
Os bancos multilaterais de desenvolvimento
estão oferencendo financiamento adicional. Mas teriam que elevar ainda mais o
que já ofereceram. De qualquer forma, será uma fonte limitada.
Temos que pensar mais em financiamento
doméstico. Uma forma, que é bastante ativa no Brasil, é usar papéis do Tesouro,
de curto ou médio prazo, para financiar o aumento do déficit.
Mas não rejeito a possibilidade de os
bancos centrais também os financiarem, por meio da compra de papéis do Tesouro,
diretamente do governo ou no mercado secundário. No curto prazo, há uma demanda
imensa por liquidez e por dinheiro dos bancos centrais, então não acho que
esses programas provocariam pressão inflacionária.
Depois que a crise passar, há risco de que
esse esforço emergencial faça a dívida pública sair do controle nesses países?
As economias latino-americanas enfrentam
duas restrições, relacionadas a eventos que ocorreram antes da crise.
A primeira é que elas não cresceram com
força nos últimos cinco anos. Houve uma meia década perdida. Desde 2014 o
crescimento tem sido lento, e alguns países estiveram em recessão, como o
Brasil.
A segunda são as condições fiscais. O
déficit e a dívida do setor público no ano passado eram significativamente
maiores do que os de 2008 [quando houve a crise financeira]. Então a capacidade
de promover expansão fiscal para enfrentar a recessão é mais limitada agora do
que era antes.
Após esta crise ser superada, a situação
fiscal será mais grave, e o Brasil é um caso importante, pois já está com uma
dívida alta. Os países terão que analisar como vão gerenciar o seu ajuste
fiscal.
No que mais eles deverão pensar para
estimular a economia após a crise?
Na minha opinião, eles devem pensar
seriamente em promover algum tipo de reindustrialização como estratégia de
desenvolvimento.
Além disso, como o comércio internacional
será fraco adiante, os países da América Latina deveriam buscar uma integração
regional mais ativa. Claro que isso não é fácil, há muitas diferenças
políticas, mas há também diversas possibilidades para aprofundar o comércio
regional e fortalecer cadeias de valor regionais.
Países da América Latina são, em regra, dependentes
da exportação de commodities. Como isso os afeta neste momento?
O grande problema são as economias que
dependem do petróleo e da mineração. Há uma guerra do petróleo em curso, e a Rússia
está relutante em chegar a um acordo com a Arábia Saudita. Economias que
exportam petróleo vão sofrer mais, como Venezuela, Colômbia e Equador.
Minérios também estão indo mal, porque o
grande comprador é a China, e até que a China se recupere, a mineração terá
dificuldade.
Mas não acho que as commodities agrícolas
serão afetadas fortemente por esta crise. Poderá até haver alguma escassez
delas.
Como o sr. avalia as medidas do Brasil para
reduzir o impacto desta crise?
O Banco Central [brasileiro] adotou as
políticas corretas, alinhado ao que a maioria dos bancos centrais pelo mundo
tem feito.
O que acho interessante é a renda básica
emergencial, que, no caso do Brasil, é facilitada por programas antigos de
transferência condicional de dinheiro que o país implementou no passado. Creio
que é uma excelente resposta, mas sei que ela é custosa, e o Brasil tem
problemas fiscais desde antes da crise. O governo estava tentando fazer alguns
ajustes fiscais importantes, e as condições fiscais ficarão piores. Mas esse é
um ponto de interrogação para o futuro.
A recuperação do Brasil da recessão já
estava fraca antes da crise do coronavírus. E, como em todos os países do
mundo, essa crise terá um efeito negativo na economia brasileira. As
estimativas mais confiáveis sobre o desempenho da economia que vi até o momento
são as do Goldman Sachs, que colocam o Brasil numa situação intermediária – não
tão ruim como Argentina, Equador e Venezuela, mas pior que Chile, Peru e
Colômbia.
E a reação da Colômbia?
No geral, tem sido boa. O Banco Central foi
bastante ambicioso para prover liquidez ao mercado, intervieram no mercado de
câmbio e reduziram a taxa de juros. Mas a reação do governo foi menor que a
necessária. Eles destinaram fundos ao setor de saúde e aumentaram as transferências
para os 30% mais pobres da população. Mas faltaram políticas para a população
vulnerável que não está entre os mais pobres – na Colômbia os trabalhadores
informais e independentes representam 60% do total, e eles não receberam apoio.
Qual o papel dos organismos multilaterais
neste momento?
Todos os bancos multilaterais já anunciaram
novos programas de empréstimo, e autorizaram linhas de crédito existentes a
serem usadas com outros objetivos. Como, por exemplo, usar uma linha de
investimentos em educação para o setor da saúde.
A grande questão é se eles terão capital
suficiente. Isso é particularmente importante para o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) e o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), já
que o Banco Mundial não é relativamente muito importante na América Latina.
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